A NOVELA DA AUTOESTIMA DO PIAUIENSE - Como um besteirol global pode mexer com a moleira baixa de um povo.

Gente reclamando da recém-lançada novela 'Cheias de Charme', dizendo que reforça o estereótipo do piauiense como forrozeiro subdesenvolvido, que o sotaque tá forçado, que o Piauí é mais que isso. Por partes: se há um estereótipo sendo reforçado, ele então já existia e não foi ninguém de fora que inventou, o próprio piauiense o fez assim.Vide a lotação de shows de forró e a negação que é ,via de regra,o público em outros eventos,em termos quantitativos. O sotaque tá diferente do nosso, mas, pra começar, temos mesmo essa mania de achar que só pernambucano/baiano/paraibano tem sotaque nordestino; nós, piauienses, temos sotaque também, ele só é um pouco menos carregado e por isso mais complicado de imitar. Por outro lado, o vocabulário da personagem inclui termos que indica que houve uma pesquisa, com palavras como 'curica' e expressões como 'pense numa mulher braba!' e 'quêde(SIC)meu cheiro??'. E Cláudia Abreu arrasa, sempre. Quanto ao Piauí ser 'muito mais que aquilo', é lógico que é, mas infelizmente não é uma novela das sete que vai fazer o resto do Brasil mudar o pensamento a respeito do piauiense, um povo valoroso e trabalhador, mas com pouquíssimo amor próprio e uma tendência horrível a se ofender gratuitamente. Na novela que a antecedeu (sim, sou noveleiro e isso, pra mim, não me empobrece intelectualmente em nada) tinha uma paraibana bandida, mentirosa, ladra, assassina. E dos poucos paraibanos que conheço, nenhum fez barulho com essa suposta imagem negativa que a personagem trazia atrelada ao seu local de origem.

Novela das 19 horas é feita pra fazer rir, assim, como a das 18 é feita pra fazer suspirar. Novela documentário, às vezes, é a das 21 horas como as viagens pelo mundo de Gloria Perez ou as antigas críticas sociais de Gilberto Braga e Aguinaldo Silva,digo antigamente porque recentemente nem isso se vê mais, vide as baboseiras que foram as últimas destes autores. Sobre Chayenne: a personagem é, por propósito, caricata. E chove gente dizendo que ela é politicamente incorreta. Minha Nossa Senhora da Autoestima Baixa!! Política habita tudo, eu sei. Mas querer que a novela pinte um Piauí que não existe, onde entre outras coisas haveria justiça social e um até um povo realmente desenvolvido é querer, ao meu ver, se transportar pro mundo de Alice. A novela nem mesmo é centrada no Piauí, tem apenas como destaque uma mulher piauiense que foi daqui para lá tentar carreira de cantora, como o fez Frank Aguiar, por exemplo, e a história dele virou até filme, financiado por governo e tudo.

Chayenne é nada mais nada menos que uma Stephanny Crossfox que deu certo. E não me soaria estranho se de forma divertida, ela no final fosse eleita deputada federal. Isso sim, é ser politicamente incorreto, não na novela, mas é o que vemos acontecer na dura e crua realidade, nem só do Piauí, mas desse Brasilzão de meu Deus, por mais que isso possa incomodar e ferir tanto nossos orgulhos. É tanta coisa ruim e eu ainda tenho que ver novela das sete com olhos de crítica social??? Rir da própria desgraça (se é assim que muitos preferem ver as coisas) ninguém é obrigado, agora fazer de conta que ela, a desgraça, não existe, isso é que parece piada. Aliás, é meio engraçado isso de levar piada a sério. Daqui a pouco vai ser até proibido rir daquilo que foi feito pra dar risada.