É uma
alegria e uma tristeza escrever um post sobre a falta de espaço para
corredores (e ciclistas) nas nossas cidades e especificamente em
Teresina. A ausência de parques com pistas adequadas, ruas que
privilegiam apenas os automóveis, leis de trânsito que não são
efetivamente cumpridas, a falta de educação e respeito ao próximo, são
apenas alguns dos problemas enfrentados diariamente por quem se aventura
a correr nas ruas.
Apesar
das adversidades, reconheço como um avanço estar falando sobre
ciclistas, pedestres e corredores de rua. No Brasil sempre imperou uma
cultura de que a rua é dos carros e, como observa Roberto DaMatta em seu
livro "Fé em Deus e Pé na Tábua", o problema começa antes mesmo de
aprendermos a dirigir: Os outros são invisíveis no Brasil. Você não é
treinado em casa nem nas escolas para ver o outro como colega, como um
sujeito que tem os mesmos direitos de usufruir o espaço de todos. Para
nós, é o contrário: o espaço de todos pertence a quem ocupar este espaço
primeiro, com mais agressividade. Se os motoristas vêem os próprios outros motoristas como inimigos a serem vencidos nas vias da cidade, como então irão respeitar ciclistas e pedestres? Assumo aqui também a
parcela de culpa da minha classe profissional: urbanistas ignoram todas
as regras de mobilidade urbana e projetam ruas sem as mínimas condições
para atender o preceito básico de ir e vir livremente. Nós aprendemos
muitas coisas na faculdade e faríamos as melhores ruas e avenidas do
mundo, mas nosso conhecimento esbarra nos interesses do poder executivo.
E todos nós sabemos para quem nossos governantes governam: não é para o
trabalhador que pega ônibus todo dia, se desloca a pé ou cruza a cidade
de bicicleta pra chegar ao seu trabalho. Pensando bem, não é mesmo de
se estranhar que os automóveis se achem os donos da rua.
O
antropólogo Roberto DaMatta ainda constatou em suas pesquisas que
vivemos num país em que obedecer regras é um sintoma de inferioridade e
quem segue as leis de trânsito é considerado babaca. E é aí que a coisa
começa a ficar especialmente perigosa. Motoristas não respeitam o sinal
de trânsito fechado, a faixa de pedestre, o limite de velocidade e
estacionam em lugares não permitidos. Afinal, o pior que pode lhe
acontecer é levar uma multa ou perder alguns pontos na carteira. Os
outros não existem. E nos fins de semana os outros tornam-se ainda mais
invisíveis. Confiantes na falta de bafômetro, no twitter que alerta
sobre blitz pela cidade, ou simplesmente na sorte, motoristas arriscam
as suas vidas e as de inocentes ao dirigirem bêbados pela madrugada
voltando de suas noitadas. Ruth de Aquino afirma, em sua coluna
na revista Época, que a culpa desta imprudência no trânsito é da
lentidão na Justiça, da omissão do Executivo e da incompetência no
Congresso. E eu concordo com ela.
Em
Teresina, no último domingo (11/03), por volta de 6 horas da manhã, um garoto de
19 anos perdeu o controle do carro que dirigia, subiu a calçada e
atropelou Maria Olanda, que treinava com o seu grupo de corrida. A
corredora percebeu o carro em alta velocidade indo em sua direção e
tentou escapar, mas foi atingida e teve cortes profundos na coxa. Os
amigos que corriam com ela a socorreram. O garoto não prestou socorro
nem fugiu do local do crime, após o choque ele apenas dormiu no
volante. Talvez cansado da bebedeira e da festa. Impossível afirmar com
certeza, não havia bafômetro disponível na cidade. O exame clínico,
realizado mais de quatro horas depois do acidente, identificou no rapaz
que dirigia sem habilitação sinais de ingestão de álcool. Provavelmente
não haverá nenhuma punição para o garoto. A única parte punida nessa
história é Maria Olanda e seus companheiros de corrida que,
traumatizados pelo susto, não se sentem mais seguros para correr nas
ruas nos fins de semana.
Revoltados,
eles e muitos outros corredores (e me incluo aqui) resolveram ir à luta
por um mínimo de espaço nas vias da cidade. Vem daí a minha alegria de
escrever esse post. Finalmente estamos acordando do estado de apatia e
passividade que tudo aceita e nada questiona. Quanto às soluções, não
acredito numa política urbana de "os incomodados que se retirem" que
segrega cicilistas em ciclovias distantes e confina corredores em
parques sem estrutura, mas sim numa mudança de mentalidade da nossa
sociedade que considera a igualdade menos importante do que a liberdade.
É querer demais?
Sons Of Science - Motherfucking Bike
***Texto de Aline Costa em Ugly Before
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