quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Deixa eu te enganar


Deixa eu te enganar

(Onde consta uma breve análise da opressão da crítica, um desabafo sobre “inteligência para os outros ver”, e ainda aparece a porra de um rei nu!).


Sua estupidez não lhe deixa ver

O alfaiate de maior prestígio da corte chega com uma grande novidade: uma roupa linda. Linda, entende? Tão linda, mas tão linda que não é feita para os olhos de todo mundo. Somente pessoas de sangue nobre e de intelecto superior conseguiriam visualizá-la. Todos os demais mortais olhariam a tal vestimenta, só que não veriam nada – nada mesmo!

Quando o cultuado costureiro entregou a novidade ao monarca diante de toda nobreza, todos os presentes se diziam perplexos com tanta beleza – mesmo que nenhum deles estivesse vendo nada. E o rei (mesmo sem ver nada também) não demorou em dizer que aquela era a melhor roupa já vista em todo o seu longo reinado. Tão entusiasmado com seus novos trajes, não tardou em marcar um desfile em carro aberto para que todos os súditos pudessem contemplar a novidade (e morressem de inveja, claro!).

Cautelosamente, todos os pobres mortais que veriam o desfile foram avisados de sua particularidade e avisados: “se vocês não conseguirem ver a vestimenta, é porque não são dignos de contemplá-la”. Dessa forma, quando o rei passou “vestido” e desfilando, todos ficaram admirados e confirmavam em achar aquela a roupa mais linda de todos os tempos de todos os reinos de toda a existência da humanidade. Houve até quem chorasse de emoção e o número de encomendas nas costureiras locais cresceu de forma exponencial.

Na verdade, nem todos gostaram... Do meio da multidão, surge uma criança que (inocentemente?)(sabiamente?)(sinceramente?) apontou para o nobre e sorrindo constatou: “o rei está nu”.

(E não é que estava mesmo?).

“Pimentões = eca, Chocolate = oba” ou “Pimentões = oba, Chocolate = eca”?

Meu sobrinho João, quando pequeno, não gosta de chocolate (!). Não é que não comesse muito: é que não gostava mesmo. Já comera algumas vezes e simplesmente não gostou. (E olha que não foi por falta insistência de seu tio...) Mas, depois de muito insistir, ele me disse claramente “não gosto mesmo disso”.

Por outro lado, há o pequeno Gael, filho de um amigo próximo, que, na época, quando tinha algo como dois ou três anos, adorava comer pimentão. Pimentão. Assim, do nada ele simplesmente nasceu gostando de pimentão (uma verdura que eu mesmo só comecei a comer depois de muito, mas muito tempo mesmo). O diabo do menino gostava tanto de pimentão que roubava dos pratos de quem estivesse na mesa se sua mãe não segurasse suas mãozinhas.

O que tem em comum em uma criança que tem ojeriza a um doce que TODO mundo adora e outra que tem predileção por uma verdura de gosto tão acentuado que NEM TODOS os adultos gostam?

O ponto em comum é a honestidade, característica tão acentuada nas crianças (e fonte de muitas vergonhas para seus pais) e esquecida (ou pelo menos preterida) pelos adultos.

O meu sobrinho DEVIA gostar de chocolate porque toda criança gosta? Será que o filho do meu amigo gosta de verdura porque quer mostra para os pais o quanto é saudável ou porque apenas gosta do sabor disso?

Quando você é criança ninguém te convence o que é bom ou ruim para você. Quando foi que você perdeu isso? Quando seus gostos deixaram de ser honestos? Quando foi que suas vontades deixaram de ser suas?


Eu devo estar errado (sobre o que eu mesmo gosto)

Ser crítico é ser o defensor de uma intelectualidade específica de um tema para o qual ele tem estudos profundos. O crítico é um expert de certo tema. Então, quando ele diz que algo é bom, é porque isto é bom, ora bolas!

E se você não gosta do que eles indicaram, ora, amigo, o problema é seu! Ou você já esqueceu que se você não pode ver a vestimenta, é porque não é digno de contemplá-la? Você é burro demais para entender só isso.

Foi sua falta de conhecimentos técnicos que não lhe deixou apreciar com a devida atenção a maravilhosa metáfora de “A árvore da vida”, ou a direção de arte (seja lá o que for isso) estupenda de “Mestre dos Mares”, ou o roteiro genial de “A rede social”. Foi sua falta de conhecimentos críticos que fez você dormir durante “O espião que sabia demais”, “Shakespeare apaixonado”, e “O paciente inglês”.

Eu JURO que assisti a todos eles (entre um cochilo e outro). Mas assisti. O problema é que não gostei da metade deles e da outra metade não vou falar porque não entendi nada.

Mas é só minha inferioridade intelectual prevalecendo. Um dia, acabo gostando desses filmes. Um dia aprendo a gostar desses filmes. Um dia VOU gostar desses filmes, mesmo que eu não goste (secretamente falando). E mesmo aqueles que não entendi (“Sinédoque, Nova York”) vou ter que entender para me sentir maduro e apto a discutir com todos os colegas críticos de plantão que sempre aparecem em mesa de bar.

Um dia aprendo a gostar do último disco (absurdamente estranho)do Radiohead (The King Of Limbs). Um dia vou ter o disco do The Caretaker - An empty bliss beyond this World – todo de cor a ponto de cantá-lo no chuveiro (mesmo que ele seja todo instrumental). E no dia que eu conseguir ter um vislumbre de intelectualidade crítica SEI que vou amar o “Volta” da sempre super-antenada Bjork (até porque uma pessoa com esse nome não pode ser ruim). Tenho que fazer isso. Todos os críticos disseram que estes são trabalhos geniais, por que só eu não acho isso?

Eu devo estar errado e, se você concorda comigo, você também está!

Mas, de repente, fica na minha cabeça medíocre: Para que serve um crítico? Eu preciso de um crítico? Eu posso discordar de uma crítica ESPECIALIZADA? Se um(a) filme/livro/disco/roupa/comida é bom (ou boa) para você e ruim para a crítica, ele é, afinal, bom ou ruim? Será que existe filme bom ou ruim, afinal de contas? O que é bom para você TEM que ser bom para mim? E se eu gostar de algo que você não gosta? E se eu não gostar de algo que para você é maravilhoso? Isso torna você melhor ou pior que eu? E se eu não conseguir ao menos entender aquele filme europeu com uma direção de arte maravilhosa que você me indicou? Será que a gente ainda pode ser amigos?


Como aprendi o gosto de reboco de parede


Dia desses, juntamos os amigos para beber (coisa rara...). O Victor, com toda boa intenção do mundo, comprou um (caro) pedaço de queijo tipo brie. Você já deve ter ouvido falar, não? Eu nunca tinha visto!

E foi uma expectativa comer este queijo – um dos mais conceituados entre os críticos culinários, pelo seu sabor “acentuado”. Houve até briga para ver quem pegava o primeiro pedaço.

E o que aconteceu? O mesmo que teria acontecido se tivéssemos mordido um pedaço de parede. Como assim? Meus amigos, o queijo tem gosto de reboco de parede e um cheiro de água sanitária. E essa não foi só minha opinião. Foi unanimidade.

Ainda olharam na embalagem para ver se não estava estragado. Houve ainda quem argumentou que era porque não tínhamos preparado direito – fato desmentido pela leitura da embalagem que dizia que o queijo devia ser comido cru mesmo.

Fato é que quando o queijo prato chegou todo cortadinho foi rapidamente devorado, mesmo não sendo aprovado pela crítica. E o brie? Acho que ainda hoje está lá esperando o dia que algum gourmet vai passar lá e mostrar para nós como diabos aquilo lá fica bom.

No nosso caso, não compramos este queijo para se exibir. Compramos (ou melhor, o Macambira comprou) para conhecermos, e o fizemos baseados na opinião dos bons conhecedores de queijos.

Entretanto, vejo que o número de pessoas que conduzem suas vidas baseadas em críticas especializadas é cada vez maior. E não digo que é ruim ter este tipo de pensamento: a crítica existe para INDICAR o que é bom ou não, mas não deve ser prestar a DETERMINAR isso. É a famosa frase: “gosto é como enrugadinho, cada qual tem o seu”.

Então, fica a pergunta: quando você vai se comportar como meia dúzia de intelectuais querem que você seja?

Quando você resolver comer queijo, que seja um que lhe agrade o paladar e não o que a última novidade do Grand Cru?


Notas finais:

01 – este texto só foi possível pelas ideias maravilhosas do amigo Elbert Luz e Venta.

02 – Ao contrário do que pode parecer, eu gosto, sim de Radiohead.

03 – As três crianças aqui descritas estão bem: Gael está estudando e continua lindo, João tem se mostrado uma criança precoce e intelectual (como seu tio) e o menino da corte... bem, esse não está bem, não: teve sua linguinha solta decepada por ordem do rei.

04 – Nunca fui no Grand Cru, mas acho que lá servem queijos.

05 – “Sinédoque, Nova York” é mesmo uma bosta.


2 comentários:

  1. João Eudes?? Texto massa!! Ainda usam essa palavra "massa"? Enfim, parabéns! Élida

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  2. João Eudes?? Texto massa!! Ainda usam essa palavra "massa"? Enfim, parabéns! Élida

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