Deixa eu te enganar
(Onde consta uma breve
análise da opressão da crítica, um desabafo sobre “inteligência para os outros
ver”, e ainda aparece a porra de um rei nu!).
Sua
estupidez não lhe deixa ver
O
alfaiate de maior prestígio da corte chega com uma grande novidade: uma roupa linda.
Linda, entende? Tão linda, mas tão linda que não é feita para os olhos de todo
mundo. Somente pessoas de sangue nobre e de intelecto superior conseguiriam
visualizá-la. Todos os demais mortais olhariam a tal vestimenta, só que não
veriam nada – nada mesmo!
Quando
o cultuado costureiro entregou a novidade ao monarca diante de toda nobreza,
todos os presentes se diziam perplexos com tanta beleza – mesmo que nenhum
deles estivesse vendo nada. E o rei (mesmo sem ver nada também) não demorou em
dizer que aquela era a melhor roupa já vista em todo o seu longo reinado. Tão
entusiasmado com seus novos trajes, não tardou em marcar um desfile em carro aberto
para que todos os súditos pudessem contemplar a novidade (e morressem de inveja,
claro!).
Cautelosamente,
todos os pobres mortais que veriam o desfile foram avisados de sua
particularidade e avisados: “se vocês não conseguirem ver a vestimenta, é
porque não são dignos de contemplá-la”. Dessa forma, quando o rei passou
“vestido” e desfilando, todos ficaram admirados e confirmavam em achar aquela a
roupa mais linda de todos os tempos de todos os reinos de toda a existência da
humanidade. Houve até quem chorasse de emoção e o número de encomendas nas
costureiras locais cresceu de forma exponencial.
Na
verdade, nem todos gostaram... Do meio da multidão, surge uma criança que (inocentemente?)(sabiamente?)(sinceramente?)
apontou para o nobre e sorrindo constatou: “o
rei está nu”.
(E
não é que estava mesmo?).
“Pimentões
= eca, Chocolate = oba” ou “Pimentões = oba, Chocolate = eca”?
Meu
sobrinho João, quando pequeno, não gosta de chocolate (!). Não é que não
comesse muito: é que não gostava mesmo.
Já comera algumas vezes e simplesmente não gostou. (E olha que não foi por falta
insistência de seu tio...) Mas, depois de muito insistir, ele me disse
claramente “não gosto mesmo disso”.
Por
outro lado, há o pequeno Gael, filho de um amigo próximo, que, na época, quando
tinha algo como dois ou três anos, adorava comer pimentão. Pimentão. Assim, do
nada ele simplesmente nasceu gostando de pimentão (uma verdura que eu mesmo só
comecei a comer depois de muito, mas muito tempo mesmo). O diabo do menino
gostava tanto de pimentão que roubava dos pratos de quem estivesse na mesa se
sua mãe não segurasse suas mãozinhas.
O
que tem em comum em uma criança que tem ojeriza a um doce que TODO mundo adora
e outra que tem predileção por uma verdura de gosto tão acentuado que NEM TODOS
os adultos gostam?
O
ponto em comum é a honestidade,
característica tão acentuada nas crianças (e fonte de muitas vergonhas para
seus pais) e esquecida (ou pelo menos preterida) pelos adultos.
O
meu sobrinho DEVIA gostar de chocolate porque toda criança gosta? Será que o
filho do meu amigo gosta de verdura porque quer mostra para os pais o quanto é
saudável ou porque apenas gosta do sabor disso?
Quando
você é criança ninguém te convence o que é bom ou ruim para você. Quando foi
que você perdeu isso? Quando seus gostos deixaram de ser honestos? Quando foi que suas vontades deixaram de ser
suas?
Eu devo estar errado (sobre
o que eu mesmo gosto)
Ser
crítico é ser o defensor de uma intelectualidade específica de um tema para o
qual ele tem estudos profundos. O crítico é um expert de certo tema. Então,
quando ele diz que algo é bom, é porque isto é bom, ora bolas!
E
se você não gosta do que eles indicaram, ora, amigo, o problema é seu! Ou você
já esqueceu que se você não pode ver a
vestimenta, é porque não é digno de contemplá-la? Você é burro demais para
entender só isso.
Foi
sua falta de conhecimentos técnicos que não lhe deixou apreciar com a devida
atenção a maravilhosa metáfora de “A árvore da vida”, ou a direção de arte (seja
lá o que for isso) estupenda de “Mestre dos Mares”, ou o roteiro genial de “A
rede social”. Foi sua falta de conhecimentos críticos que fez você dormir
durante “O espião que sabia demais”, “Shakespeare apaixonado”, e “O paciente
inglês”.
Eu
JURO que assisti a todos eles (entre um cochilo e outro). Mas assisti. O
problema é que não gostei da metade deles e da outra metade não vou falar
porque não entendi nada.
Mas
é só minha inferioridade intelectual prevalecendo. Um dia, acabo gostando
desses filmes. Um dia aprendo a gostar desses filmes. Um dia VOU gostar desses
filmes, mesmo que eu não goste (secretamente falando). E mesmo aqueles que não
entendi (“Sinédoque, Nova York”) vou ter que entender para me sentir maduro e
apto a discutir com todos os colegas críticos de plantão que sempre aparecem em
mesa de bar.
Um
dia aprendo a gostar do último disco (absurdamente estranho)do Radiohead (The
King Of Limbs). Um dia vou ter o disco do The Caretaker - An empty bliss beyond this World – todo de cor a ponto de cantá-lo
no chuveiro (mesmo que ele seja todo instrumental). E no dia que eu conseguir
ter um vislumbre de intelectualidade crítica SEI que vou amar o “Volta” da
sempre super-antenada Bjork (até porque uma pessoa com esse nome não pode ser
ruim). Tenho que fazer isso. Todos os críticos disseram que estes são trabalhos
geniais, por que só eu não acho isso?
Eu
devo estar errado e, se você concorda comigo, você também está!
Mas,
de repente, fica na minha cabeça medíocre: Para que serve um crítico? Eu
preciso de um crítico? Eu posso discordar de uma crítica ESPECIALIZADA? Se um(a)
filme/livro/disco/roupa/comida é bom (ou boa) para você e ruim para a crítica,
ele é, afinal, bom ou ruim? Será que existe filme bom ou ruim, afinal de
contas? O que é bom para você TEM que ser bom para mim? E se eu gostar de algo
que você não gosta? E se eu não gostar de algo que para você é maravilhoso?
Isso torna você melhor ou pior que eu? E se eu não conseguir ao menos entender
aquele filme europeu com uma direção de arte maravilhosa que você me indicou?
Será que a gente ainda pode ser amigos?
Como aprendi o gosto de
reboco de parede
Dia
desses, juntamos os amigos para beber (coisa rara...). O Victor, com toda boa
intenção do mundo, comprou um (caro) pedaço de queijo tipo brie. Você já deve ter ouvido falar, não? Eu nunca tinha visto!
E
foi uma expectativa comer este queijo – um dos mais conceituados entre os
críticos culinários, pelo seu sabor “acentuado”. Houve até briga para ver quem
pegava o primeiro pedaço.
E
o que aconteceu? O mesmo que teria acontecido se tivéssemos mordido um pedaço
de parede. Como assim? Meus amigos, o
queijo tem gosto de reboco de parede e um cheiro de água sanitária. E essa
não foi só minha opinião. Foi unanimidade.
Ainda
olharam na embalagem para ver se não estava estragado. Houve ainda quem
argumentou que era porque não tínhamos preparado direito – fato desmentido pela
leitura da embalagem que dizia que o queijo devia ser comido cru mesmo.
Fato
é que quando o queijo prato chegou todo cortadinho foi rapidamente devorado,
mesmo não sendo aprovado pela crítica. E o brie?
Acho que ainda hoje está lá esperando o dia que algum gourmet vai passar lá e
mostrar para nós como diabos aquilo lá fica bom.
No
nosso caso, não compramos este queijo para se exibir. Compramos (ou melhor, o
Macambira comprou) para conhecermos, e o fizemos baseados na opinião dos bons
conhecedores de queijos.
Entretanto,
vejo que o número de pessoas que conduzem suas vidas baseadas em críticas
especializadas é cada vez maior. E não digo que é ruim ter este tipo de
pensamento: a crítica existe para INDICAR o que é bom ou não, mas não deve ser
prestar a DETERMINAR isso. É a famosa frase: “gosto é como enrugadinho, cada
qual tem o seu”.
Então, fica a pergunta:
quando você vai se comportar como meia dúzia de intelectuais querem que você
seja?
Quando
você resolver comer queijo, que seja um que lhe agrade o paladar e não o que a
última novidade do Grand Cru?
Notas finais:
01 – este texto
só foi possível pelas ideias maravilhosas do amigo Elbert Luz e Venta.
02 – Ao contrário
do que pode parecer, eu gosto, sim de Radiohead.
03 – As três
crianças aqui descritas estão bem: Gael está estudando e continua lindo, João
tem se mostrado uma criança precoce e intelectual (como seu tio) e o menino da
corte... bem, esse não está bem, não: teve sua linguinha solta decepada por
ordem do rei.
04 – Nunca fui
no Grand Cru, mas acho que lá servem queijos.
05 – “Sinédoque,
Nova York” é mesmo uma bosta.